Major Cleto, guerra, paz, adaptabilidade do ser humano

Capa do livro “Minha vida na paz e na guerra” de autoria do Major Cleto Pellegrinelli – Foto: Divulgação

Li de um fôlego o livro “Minha vida na paz e na guerra” (2010), do saudoso são-joanense Major Cleto Pellegrinelli. Escrito em estilo coloquial, é uma leitura agradável e emocionante. Conhecemos o intrépido combatente na Itália, durante a II Guerra Mundial, quando integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Na paz, conhecemos o cidadão simples, marido e pai amoroso, bem sucedido na vida militar e, depois da reforma, como empresário.

Os expedicionários do 11º Batalhão de Infantaria – glorioso Regimento Tiradentes – partiram para o embarque no Rio de Janeiro, em 7 de março de 1944. A tropa, antes de pegar o trem, assistiu a uma missa de despedida nas escadarias da Igreja de Nossa Senhora das Mercês. A marca da religiosidade de São João del-Rei (p. 41)
Como eu imaginava, ele relatou a emoção experimentada quando o navio em que viajava se aproximava do Porto de Nápoles, Itália, em 6 de outubro de 1944: “Senti forte emoção: veio-me à lembrança que meus pais vieram de lá em novembro de 1888” (p. 56). Findo o conflito, procurou debalde por parentes italianos’, em Bolonha e Fiesso Umbertiano, norte da Itália. Haviam se dispersado, com a “paura” da guerra (p. 84).

O regresso a São João del-Rei, na Maria Fumaça, foi uma grande emoção: “Nossa chegada a São João foi muito emocionante. Desde o bairro de Matozinhos, o povo se aglomerava nas ruas e janelas das casas gritando, batendo palmas, e a máquina do comboio com seu apito fazendo o máximo de barulho, foi maravilhoso. Então, quando passamos pela curva de Matosinhos, onde morei por muito tempo, ouvíamos o apito com mais potência e o maquinista não dava descanso, puxava e bambeava o cordão seguidamente. De nossos olhos rolavam lágrima de alegria e muita emoção. Em seguida, passamos pela rua dos italianos, onde nasci e morei por anos. Foi demais!”.

Em 1970 – lembro-me muito disso – faleceu Dorinha ao oito anos de idade, filha caçula do Major Cleto e D. Leila. Vitimou-a grave enfermidade e, nessa triste passagem, o autor cita “o nosso amigo pediatra Dr. Tidinho (Dr. Euclides Garcia de Lima Filho)” (p. 161). É meu pai e essa amizade muito nos orgulha.

Quando fui aprovado no concurso para Promotor de Justiça, em 1986, D. Maria Turca, sogra do Major Cleto, já idosa, chamou-me à sua casa da Rua Paulo Freitas e me deu um Agnus Dei dourado: “Meu filho, é para te proteger, vai exercer uma profissão muito perigosa”. Trago essa relíquia comigo até hoje.

A vida é paz e guerra, sol e chuva, tristeza e alegria, vitória e derrota, cair e levantar. Por isso, Major Cleto e sua família seguiram em frente, conforme relata: “A vida é muita generosa comigo. Nossa vida em família sempre foi muito animada com tantos filhos, movimentada com a alegria deles, com os amigos, com a casa cheia” (p. 141).

Em depoimento para o livro “A Batalha de Montese”, do Capitão Simonal da Silva de Souza, Major Cleto escrevia: “Agradeço por ter lutado pelo mundo livre. Agradeço por ter sido um dos integrantes da FEB e, mesmo sendo italiano, fazer parte do Exército Brasileiro. Agradeço por ter lutado pela liberdade de nossa Itália” (p. 106). E mais: “Fomos só andando, andando e acabou a guerra. A gente se acostuma com tudo” (p. 107).

Essa bela reflexão final, embora aparentemente simples, é profundamente filosófica. Recorda-me o grande escritor russo Fiódor Dostoiévski, que foi preso, no século 19, por envolvimento em uma conspiração contra o Czar Nicolau I. O cárcere, na Sibéria, era inóspito e desumano. Dostoiévski publicou, depois de libertado, o livro “Memórias da casa dos mortos”, onde relata sua adaptação ao frio e às más condições do presídio: “O homem é um ser que se acostuma a tudo, e essa é, a meu ver, sua melhor definição”.

Major Cleto foi, acima de tudo, um sábio.

(preparado por Desemb. Rogério Medeiros)

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