Memórias do III Café com Prosa 2019
Tema: Sinos tocam em São João del-Rei
O Instituto Histórico e Geográfico de São João Del-Rei (IHG-SJDR) realizou em 25 de abril de 2.019, a terceira edição deste ano do evento “Café com Prosa – Roda de Conversa”. Dedicado ao tema “Sinos tocam em São João Del-Rei”, foi realizado na sede do Instituto, na Rua Santa Tereza, 127, dessa “briosa e fiel cidade”. Estiveram presentes a vice-Presidente Maria Lucia Monteiro Guimarães, que coordenou, e os confrades Antônio Gaio Sobrinho, Wainer Ávila, Ulisses Passarelli, José Claudio Henriques, Teté Santos e Betânia Guimarães; os convidados, Sr. Edmar Batista, Hamilton do Barteliê; sineiros da nova geração, como Samuel, e da antiga geração, como o Helvécio e o Roberto; o estudante da UFSJ Yuri que pesquisa as badaladas dos sinos e os sineiros; o professor da UFSJ Jairo Fará; o vereador Professor Leonardo; Zélia Leão Terrel, da Academia de Letras; Zulei Bassi e as bordadeiras do projeto “Bordando a História” do IHG; os moradores da rua Santa Tereza; Marcela Paiva e seu grupo de estudantes; a equipe técnica composta pela jornalista Carla Gomes, o design gráfico Flávio Lobosque e o fotógrafo Antônio Celso Toco. A vice-presidente Lucinha Guimarães abriu o evento tocando uma réplica em miniatura de sino desejando boa noite a todos os presentes e saudando os sinos e os sineiros. Começou lembrando que o sino que ela tocou foi emprestado pela família Santana da qual contou a história de que todas as crianças da família que são de fora e chegam na cidade, a primeira coisa que eles pedem é para tocar o sino. “Então, até hoje os sinos tocam as crianças e eu fiquei emocionadíssima com essa história. Essa família reverência os sinos”, disse. Agradeceu também a presença de todos e destacou a presença de Zulei Bassi que tem sido uma parceira com várias ideias para as Oficinas de Bordados que o Instituto realiza todas as quartas-feiras na sua sede e também fez uma citação do livro sobre os sinos escrito por André Dangelo.
A vice-presidente convidou Edmar Batista para iniciar a conversa. Ele manifestou-se surpreso por iniciar a fala e ressaltou que é mais conhecido pelo bordado. Disse que a sua paixão pelo sino começa mais pela oralidade e pelo fato de ter sido criado em uma casa de pessoas do século XIX, em uma família muito católica que se guiavam pelo toque dos sinos. “Desde pequeno eu sabia quando uma pessoa morria: se era homem, se era mulher, se era sacerdote. E uma coisa muito comum que hoje pouco se vê são os toques para crianças que chamamos de toques de anjinhos. Hoje também é muito raro o toque de agonia. Antigamente quando as pessoas adoeciam e ficavam em casa e se ficavam muito tempo em agonia, tocava-se os sinos para as pessoas rezarem para que o doente tivesse um bom trânsito. Um toque também pouco frequente hoje que acontece na Matriz, no sino de São Raimundo Nonato, é o toque do parto para as mulheres em dificuldade. Tem muitas lendas também principalmente no toque da Boa Morte que dizem que foi tirado de um minueto da Festa da Boa Morte: um escravo do beco da romeira compôs o toque baseado nesse minueto”, recordou Edmar, destacando que o sino também informava a população de coisas que aconteciam na cidade. “Me lembro do toque de incêndio que os sinos da cidade deram quando o colégio Santo Antônio pegou fogo. Graças a Deus foi a única vez que ouvi esse toque”, o sino era a Internet da época.
O jovem sineiro Samuel destacou na sua fala que esse toque é bastante antigo e não tinha conhecimento desse toque e que infelizmente muitos toques têm registro, mas não são mais tocados e pelos registros esse toque são sete pancadas. Segundo Edmar, essas sete pancadas representam as sete últimas palavras da agonia de Cristo.
Dobre de morte do sino maior para o médio e o pequeno. Segundo o sineiro Samuel os toques nesse caso seguem uma pirâmide da igreja, mas dependem da pessoa e do sexo. Já no caso de falecimento de crianças de até seis anos elas são consideradas anjos e os toques da cidade a gente tira um repique que são mais festivos. Ele lembrou também que os sinos quando chegam na igreja são batizados com um nome porque eles vão participar, junto com os fiéis, em tudo que está acontecendo na igreja. “Só que a voz deles é repassar para os fiéis que não podem ir na igreja tudo o que está acontecendo”, afirma. Citou também o toque da morte do Papa em que, além do sino tocar durante todo o dia, todas as igrejas da cidade tocam seus sinos. “São 14 toques. A gente ficou tocando sino o dia inteiro”.
O que ficou de Ouro Preto em arquitetura, em São João Del-Rei ficou em cabeça e atitude, emendou Edmar. “Nós temos aquela coisa do sacro e profano. O Carnaval está no auge no seu último dia e das 9 horas os sinos começam a dobrar por causa das cinzas. Finados também tem uma referência muito forte, durante o mês de novembro todinho esses toques em homenagem aos mortos. O toque de Trevas também é muito bonito. São coisas muito específicas e só nosso. É um código muito forte e detalhista que só São João tem”. Outro ponto destacado por Edmar foi a semelhança entre o sino e as matracas. “Quando a Península Ibérica foi invadida pelos mourões, eles proibiram que as igrejas tocassem os sinos. Então, os padres dos mosteiros desenvolveram o toque da matraca para substituir o dos sinos, já que proibidos durante a invasão moura”.
Já o sineiro Helvécio lembrou a história do sino que matou um sineiro na Igreja de São Francisco. “Muita gente fala que o sino caiu sobre ele, na realidade o sino bateu na cabeça dele. Ainda estamos pesquisando a data correta do acontecido, mas ao que tudo indica o fato ocorreu na década de 20. O pessoal fala que o sino foi preso, mas na realidade o sino parou de tocar porque não tinha quem o fizesse”, disse Helvécio.
O sineiro Hamilton, que é sobrinho do grande sineiro das Mercês que morreu a pouco, Júlio Vieira, destacou que existe o ofício de sineiro. “Esse ofício começou em Ouro Preto quando fizeram o tombamento dos sinos e logo depois se viu necessário se criar o ofício de sineiros para que os toques dos sinos não se perdessem. As igrejas contratam e colocam esse ofício na carteira”, destacou. Hamilton também lembrou do monsenhor Paiva que sempre preservou os sinos da cidade e fazia manutenção frequentes para que os sinos não estragassem. “Não observamos essa preocupação em outras cidades. Os sinos começam a apresentar uma rachadura e eles não buscam fazer a manutenção”.
O sineiro Roberto destacou a importância da preservação dos toques. “Tem alguns toques que estão modificando. Temos que estar atentos para que essa nossa tradição não se perca”, disse Roberto. Já o estudante da UFSJ Yuri explicou porque a curiosidade em estudar os sinos. “Sou do Sul de Minas e há nove anos vim na casa de uma amiga em São João Del-Rei que morava perto da igreja São Francisco e dormi no sótão da casa dela e não sei qual a data, mas de manhã bem cedo os sinos tocaram e parecia que estavam dentro do sótão e achei muito interessante. Depois mudei para São João para estudar música e, por essa experiência, resolvi fazer meu trabalho final sobre os toques do sino. E fiz meu estudo durante a Semana Santa de 2017. Foram 40 registros em áudio do qual saíram dez repiques diferentes. Eu cataloguei esses repiques e fui estudar o porquê de cada um deles”. Os sineiros presentes destacaram a importância do repique e da sua preservação para que os toques tradicionais não se percam. Os participantes relembraram alguns toques e peculiaridades dos sinos com os convidados que também pediram para os sineiros explicarem como se dá o combate dos sinos.
O encerramento dessa Roda de Conversa se deu com a apresentação das crianças do projeto Anjos da Luz, desenvolvido por Marcela Paiva, que declamaram um poema do sineiro José Viegas citado no livro de André Dangelo, “Sentinelas Sonoras” e pela vice-Presidente e os confrades Evandro Coelho e Wainer Ávila que cantaram o hino do Colégio Santo Antônio (“Din-den-dão, batem os sinos em São João…”), após o que os presentes emocionados foram convidados para tomar um belo café mineiro ao som de marchinhas de Carnaval.