Alexina de Magalhães Pinto: Do mito à realidade

Exposição ante o Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, em defesa da Patrona da Cadeira 16, realizada pela Profª. Maria Lucia Monteiro Guimarães, Mestre em Educação e sócia desse Instituto

Alexina Pinto – Foto: Divulgação

1 – APRESENTAÇÃO

Prezados confrades deste insigne sodalício.

Venho lhes apresentar minha pesquisa sobre a “patronesse” da Cadeira 16, Alexina de Magalhães Pinto, para a qual esse plenário mui honradamente me acolheu e elegeu e para o que venho me preparando de há muito.

Conheci essa autora por um texto da sua autoria, “O Beija Flor”, citado no livro de 1.972, da honorável Alaíde Lisboa de Oliveira, Professora Emérita da UFMG e Diretora do então Departamento de Educação. Trabalhava eu na Escola Parque, na cidade do Rio de Janeiro, com alunos da 3ª série do então Ensino Primário, quando utilizei esse texto e para minha surpresa, encontrei uma referência bibliográfica feita em trabalho de Henriqueta Lisboa, e no qual a Alexina era citada como tendo nascido em São João del-Rei, em 1.870 e falecida em Correias, no Estado do Rio, em 1.921.

Nessa referência também eram citadas obras da autora e um resumo biográfico na qual se indicava ter ela estudado na Escola Normal, onde depois de formada exerceu o magistério. Além disso, informava ser ela “ilustrada, viajada, tendo percorrido a Europa na mocidade. É um dos pioneiros de estudos de folclore do Brasil – seu livro As nossas histórias, data de 1.907. Cantigas da Criança e do Povo revela preocupação pedagógica da autora”. (1)

Curiosa com esse achado sobre uma professora, formadora de professoras e professores, dada como nascida em minha cidade natal, fato que desconhecia, na primeira oportunidade de vir a São João trouxe esses dados para os membros desse sodalício. Colhi informações do Sebastião Cintra, que seriam posteriormente publicadas, e de outras pessoas sobre a verdadeira história dessa mulher e professora, que desde o início me maravilharam. Verifiquei que muitos eram os equívocos e desencontros sobre sua vida pessoal e muita a perplexidade acadêmica para classificar e entender o trabalho didático e pedagógico dessa verdadeira revolucionária da Educação em um período fervilhante da vida do país, denominado de Velha Republica (1.889-1.930).

Minha curiosidade se aguçou com a leitura de um artigo publicado na Revista Veja (2), em 05 de agosto de 1.970, na Seção Comportamento, sob o título de “A Mineira Ruidosa”, e no qual Alexina Pinto era classificada como “a primeira mulher de uma conservadora família mineira a se insurgir contra os rígidos costumes de sua terra e de sua época…”. No texto se indicava que ela “49 anos depois da sua morte, (entra) na galeria das tradições estaduais”. E abaixo da reprodução do seu retrato a classificava como uma revolucionária que se torna uma tradição mineira.  

O texto alerta que ela foi “criticada, atacada e até mesmo odiada pela população de São João del-Rei, no fim do século passado…”. E que “a professora Alexina M Pinto (…) foi redescoberta pelo sociólogo Saul Martins, Professor da UFMG e os quatro livros que escreveu sobre folclore já publicados em Portugal e na França, levaram a Universidade a comemorar, oficialmente, nesta semana, o centenário do seu nascimento”.

A minha curiosidade sobre a figura da Alexina foi se acumulando e ao longo das décadas seguintes aprofundei os estudos sobre o seu papel didático pedagógico. A cada novo momento de pesquisa, mais a surpresa crescia em função da descoberta da importância que se revestia o seu trabalho de pesquisadora do folclore, escritora e educadora. A sua personalidade e sua carreira profissional se tornaram uma obsessão e procurei me cercar de todo tipo de informação sobre ela. Inclusive, na década de 1.980 ganhei de presente de uma prima, a pesquisadora Esther Bertoletti, encadernações xerografadas de vários dos seus livros cujas edições já eram consideradas esgotadas e catalogadas nas poucas e boas bibliotecas, como a Nacional, como obras raras. Estava claro para mim que Alexina Pinto não era só uma contestadora de costumes, mas uma verdadeira revolucionária pedagógica da Velha Republica.

Esta minha curiosidade pedagógica e pessoal me tornou uma profissional distinguida em vários momentos, por vários autores de dissertações e teses acadêmicas, e chegaram a me citar como “a maior entendida em Alexina Magalhães Pinto” (3). Tinha certeza, entretanto, que possuía apenas parte do seu acervo literário e parte dos trabalhos que a focavam no campo acadêmico ou literário. Por tudo isso assumi o compromisso de tentar contribuir para desmitificar a sua imagem e repercutir a adequada realidade das diversas dimensões da sua vida pessoal e profissional.    

Consciente da importância do material que acumulei e, ao mesmo tempo, preocupada com as imensas lacunas bibliográficas e históricas sobre essa autora, nunca me recusei a compartilhar essa riqueza com os professores e pesquisadores que sobre a vida e obra dela se debruçaram. Nas últimas décadas vi surgirem dissertações de Mestrado e teses de Doutorado sobre ou fazendo alusão à importância histórica e pedagógica da patronesse da minha cadeira nesse sodalício. Muito me orgulhei dessa produção e de ter com ela contribuído pelo estímulo e até o empréstimo do acervo que até então adquiri.

Agora que me sinto mais confiante quanto a importância e a riqueza da obra da Alexina M. Pinto, venho, nesta oportunidade, cumprir uma finalidade estatutária desse Instituto e compartilhar com meus confrades da riqueza humana e profissional dessa figura insigne que foi e é, como uma das patronesses desse Instituto Histórico e Geográfico.

2 – PEQUENA BIOGRAFIA E CONTEXTO SOCIO HISTORICO DE SUA ÉPOCA

Nessa pesquisa me foi permitido mapear muito do que de equivocado e de contraditório existe sobre a vida pessoal e profissional da Alexina M. Pinto. Há muitas dúvidas que a leitura de diferentes autores ainda não nos permite ter uma clareza absoluta sobre o cotidiano dessa figura humana tão complexa no que se refere a sua vida pessoal e a sua profícua produção intelectual.  De um lado porque na falta de acesso adequado a boa e válida informação, alguns dos autores intuíram situações e agregaram essa intuição à vida mesma da nossa pesquisada.

Tudo começa no seu nascimento. O eminente confrade Francisco de Vasconcelos, por exemplo, em texto publicado no volume 09 da Revista desse Instituto a descreve, já na primeira linha, como “uma dessas são-joanenses esquecidas”. Aqui ele se iguala à citação no trabalho da Profª. Alaíde Lisboa que, ao publicar um dos seus textos, cita na referência ser ela nascida em São João del-Rei, em 1.870. A mim me parece que isto ocorre pelo fato do nosso confrade Vasconcelos ter tido a lucidez de encontrar e citar o batistério no qual se indica que “a 4 de julho de 1.869 foi a mesma batizada pelo padre José Maria Xavier, músico e compositor de talento e o termo de seu batistério encontra-se às fls. 73v do livro número 8, arquivado na Secretaria da Catedral de Nossa Senhora do Pilar” (p. 142).

Já nosso confrade Sebastião de Oliveira Cintra, em seu luminar texto sobre a educadora Alexina de M. Pinto, assegura ser a data do seu nascimento que, “por informação do Dr. Bruno de Almeida Magalhães” ela de fato “nasceu na fazenda de Ouro Fino, município de Além Paraíba, Minas Gerais (p. 12)” em 04 de julho de 1.870. A primeira grande dúvida que aqui se suscita é como ela poderia ter nascido em julho de 1.870 quando o batizado se deu em julho de 1.869? O que é certo é que ela é filha do são-joanense Dr. Eduardo de Almeida Magalhães, em primeiras núpcias, e de Dona Virginia Vidal Leite Carneiro, falecida na data de 28 de novembro de 1.874.

Sabe-se que o pai dela, a despeito de seus afazeres profissionais demandarem deslocamentos para outras cidades e até Estados, mantinha residência em Além Paraíba, onde era grande fazendeiro de café. Onde passou a sua infância e fez as primeiras letras, Alexina? Não consegui ainda resolver esta questão. No entanto, são encontradas referências da sua formação como professora, aqui em São João del-Rei, na extinta Escola Normal Oficial.

Mulher a frente de seu tempo viajou sozinha para a Europa, trazendo de Paris vários estudos feitos na área da pedagogia e didática, além de uma bicicleta e roupas de ciclismo que trouxe o maior espanto para a sociedade são-joanense ainda que por aqui, segundo outros pesquisadores , já houvesse o hábito da prática do ciclismo na cidade.

Em 1883, foi aprovada em concurso e nomeada como professora para a Cátedra de Desenho e Caligrafia, na Escola Normal Oficial, onde a mesma estudou. Outro confrade, o mestre Antônio Gaio, em texto escorreito em seu livro “História da Educação em São João del-Rei” (2.000), afirma sobre o quadro de professores da Escola Normal, que em seus escritos que:

“entre seus mestres, merece hoje, pela admiração que nos causa, a professora de desenho e caligrafia Alexina de Magalhães Pinto (1870-1921), natural de Além Paraíba. Sua importância não está na duração do seu magistério na Escola Normal, de apenas três anos, mas, sobretudo, pela sua independência feminina e por ter sido como lá diz o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo: a primeira brasileira a valorizar a cultura tradicional do seu povo, divulgando-a em livros popularíssimos nas primeiras décadas do século XX (apud Cintra, 1994, acima citado, pag. 13)”. 

Em 1.886, teve aceito seu pedido de exoneração do cargo de Professora da cadeira de Desenho e Caligrafia na antiga Escola Normal de São João del-Rei, matriculando-se mais tarde na Escola Normal do Rio de Janeiro, onde foi convidada a exercer o magistério como professora adjunta vindo a se transformar em pioneira em questões educacionais e do folclore que lhe imprime merecido renome na história da educação no Brasil.

Segundo Cintra, casou-se em 15 de maio de 1.898, com seu primo Dr. Floriano Leite Pinto, médico. Casamento que durou pouco tempo devido ao falecimento prematuro de seu, então, marido, vitima de implacável moléstia.

Sabe se ao certo que, Alexina, veio a dedicar-se a educação infantil, sua maior paixão, deixando trabalhos de grande mérito entre eles: As Nossas Histórias (1907); Nossos Brinquedos (1909); Cantigas das Crianças e Povo e Danças Populares (1916), dos quais vamos falar mais a frente.

Com grande tristeza, sua morte se deu no inicio do ano de 1921, aos 51 anos, no distrito de Correias, pertencente ao município de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, em um acidente ferroviário, que teve por possível causa, uma infeliz consequência de sua surdez, ocasionando em grande perda para nossa educação brasileira. Pelo fato de não ter deixado herdeiros, até hoje não se sabe ao certo notícias de sua biblioteca, e arquivo pessoal, bem como de seus trabalhos não publicados, o que vem a dificultar nossas pesquisas.

3 – FORMAÇÃO ACADÊMICA OU INTELECTUAL

Pouco se sabe de sua formação acadêmica, recolhi em meus estudos, registros do Cintra, que traz, em sua Galeria das personalidades notáveis de São João del-Rei, Alexina como persona “Dotada de grande inteligência, cultura e personalidade”, ele então, cita que, aos 22 anos de idade, Alexina faz uma viagem, sozinha à Europa, onde veio a visitar e estudar nos centros culturais de países como a França, Itália , Espanha e Portugal, onde de certo vem sua preocupação com a construção de uma identidade nacional brasileira e sua metodologia de ensino baseada na aprendizagem global, a frente da aprendizagem intuitiva, utilizada na época.

Os escritos de Sandroni afirmam que Alexina, após pedir sua exoneração da cadeira de educadora em nossa cidade, daqui se transfere e passa a cursar , a Escola Normal na cidade do Rio de Janeiro, onde posteriormente após o término dos estudos recebe convite para ocupar como adjunta, uma cátedra nessa Escola.

4 – TRAJETÓRIA PROFISSIONAL E ALGUNS PERCALÇOS

Além de folclorista, Alexina, foi, professora primária em São João del-Rei e também no Rio de Janeiro. Em sua atuação como professora foi destaque pelo fato de ir contra os métodos de memorização maquinal que eram utilizados pelos professores no processo de alfabetização das crianças de sua época, métodos esses totalmente desvinculados da experiência cotidiana. Foi a primeira professora a substituir a palmatória por cantigas de roda e os castigos por exercícios de memória e dicção.Começa a criar diferentes formas criativas de tentar ouvir seus alunos, começando por dar-lhes mais alegria ao realizar verdadeiros atos de escuta através da oralidade e na recolha de jogos e brinquedos e brincadeiras que utilizava também como elementos mediadores entre as crianças e o registro escrito cauteloso que realizava posteriormente.

Para comprovar seu papel de pesquisadora, em sua trajetória, Alexina deixa evidente a função de intelectual ao fornecer um material cheio de seiva nacional aos, então, homens de gabinete, cultores da arte e da ciência de sua época:

“Como sabemos, a arte primitiva é hoje objeto de ciência; a ciência toda experimental; a grande arte filha da natureza. Ora, tudo o que tenda a facilitar o contato dos homens de gabinete com os seus objetos de estudo, dos artistas com os modelos vivos, cheios de seiva nacional, pode aproveitar à ciência e à arte (…) (Pinto 1916, 6)

Para compor ainda o destaque de sua trajetória profissional, Alexina fez um uso muito particular dos chamados brinquedos infantis, mesmo esses estando ligados na época ao prazer e totalmente desligados do mundo educacional, a folclorista, justificava o seu uso, afirmando que, o ócio quando bem orientado, educa, sana e une. Colaborou com assiduidade no Almanaque Brasileiro Garnier, dirigido por João Ribeiro.

Alexina se demonstra mais uma vez a frente do seu tempo, ao fazer verdadeiras exortações, em Construções Froebelianas, inseridas em sua obra Os Nossos Brinquedos, trazendo o que considerava como um ideal para a vida familiar evidenciada na harmonia construída entre as crianças e seus pares, processo esse, de interação social que ainda não se via utilizado nas instituições escolares e também no interior de nossos  lares, como é reconhecido e praticado nos dias de hoje.

Portanto hoje apresentada, como figura quase obscura e esquecida nos estudos de folclore no Brasil, mesmo sendo figura precursora e até mesmo inovadora ao acreditar no potencial educativo da cultura popular por ter realizado várias pesquisas especialmente sobre recolhas de histórias, brinquedos e jogos infantis e registros musicais no tempo de sua atuação profissional. Sua grande inovação foi utilizar­-se desse material folclórico para compor livros destinados à biblioteca infantil, tendo como prova de sua importância, a adoção do livro Provérbios, Máximas e observações usuais para ensino nas escolas públicas mineiras.

Sendo também musicista, Alexina, traz enriquecido com as partituras das partes cantadas, os contos recolhidos por suas obras, comuns nas narrativas populares. Em suma, Sandroni coloca Alexina entre os mais importantes fundadores de nossa literatura infantil, em função da seriedade de todo seu trabalho e do amor dedicado às crianças em vida e toda sua obra. Examinando suas obras, essa autora assim comenta (1987):

“Em Os Nossos Brinquedos, a música ocupa parte muito importante e à autora se deve o registro de muitos temas populares recriados mais tarde por Villa-Lobos. Outro aspecto interessante do livro são as adivinhas, charadas e provérbios por longo tempo usados nos entretenimentos de salão. Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares traz na dedicatória inicial “Às Crianças”: “Entoa direitinho essas cantigas. E se de outras tão simples como essas souberdes os versinhos, mandai-os com vosso endereço, o endereço de quem as aprendestes, a quem trabalha por versos cada dia mais alegres, mais fortes, mais nobres pelo sentimento e pelo saber…”. Em seguida uma “Nota Justificativa aos estudiosos e aos educadores”, que é na realidade um ensaio (seis páginas) sobre o trabalho que desenvolvia com a descrição pormenorizada dos métodos que empregava. O livro é dividido em cantigas, cantigas de pretos, cantigas e danças, coretos, coretos de mesa, coretos de bando de rua, cantigas jocosas, cantigas históricas, regionais e patrióticas. Todos com a informação do lugar de onde provêm. Há ainda um apêndice com nota preliminar onde se lê: “Aproveitarmos essa idade para firmar a criança, primeiro nos nossos sentimentos, depois, nas próprias pernas, que antes de andar sabe sentir a criança”…

5 – PRODUÇÃO LITERÁRIA E REPERCUSSÃO DAS OBRAS

Alexina é considerada a primeira mulher a publicar no Brasil uma coletânea de contos de tradição oral. Seu trabalho também é reconhecido por inaugurar o uso desses contos em textos didáticos, em função da precariedade de materiais existentes sua época.

Em suas publicações podemos destacar As nossas histórias: contribuição do folk-lore brazileiro para a bibliotheca infantil, publicado em 1907 pela tipografia Eyméoud, de Paris, que apresenta um apêndice constituído de notas em que a autora registrou algumas informações sobre os contadores de histórias.

Além desse livro, Alexina de Magalhães Pinto publicou Os Nossos Brinquedos, em 1909, voltando-se para o público infantil a fim de reintegrá-lo na verdade da terra e sua cultura oriunda da confraternização do português como o índio e com o negro. Essa obra traz a música ocupando importante espaço, além de adivinhas, charadas e provérbios, destacando-se na história da literatura infantil brasileira pela exclusividade de seu público e por trazer temas de nossa formação cultural.

Já em Cantigas das crianças e do povo e danças populares, lançado em 1916, traz uma dedicatória inicial “Às crianças” e em seguida uma “Nota justificativa aos estudiosos e aos educadores” que nada mais é do que uma descrição de sua metodologia. Dividido em cantigas, cantigas dos pretos, cantigas e danças, coretos, coretos de mesa, coretos de bando de rua, cantigas jocosas, cantigas históricas, regionais e patrióticas, todos com informações de sua origem.

Em Provérbios populares, máximas e observações usuais, lançado no ano de 1.917, tem destaque o texto “Esboço provisório de uma biblioteca infantil” onde Alexina traz uma relação mínima de livros que considerava adequado às crianças e dá ênfase a sua atenção a importância do hábito do ato de ler.

Em função dessas publicações o Conselho Superior de Instrução Publica de Minas Gerais sugere:

“O Conselho Superior de Instrução Publica, tendo examinado os três trabalhos de D. Alexina de Magalhães Pinto, Intitulados ‘ Provérbios Populares’, ‘Plano de uma Biblioteca para professores primários’ e    ‘Tradução do programa da liga de instrução moral inglesa’ verificou que o primeiro é um repertório onde o professor pode encontrar matéria ou assuntos para as suas lições de moral, que o segundo tem a utilidade de informar ao professor dos compêndios que existem no mercado e que lhes podem, mais ou menos, servir de guia nas várias disciplinas do curso primário: e que o terceiro é uma publicação que prestará ao professor reais serviços, pois que lhe fornece metódica e sistematicamente os vários pontos do ensino de moral, higiene, urbanidade, etc que devem ser tratados na escola durante os quatro anos de curso, resolve, portanto aprová-los, recomendado a publicação do último deles para a distribuição dos professores do Estado.”¹²

6 – A LISTA DE BONS LIVROS E SUA IMPORTÂNCIA NA LITERATURA INFANTO JUVENIL

Já no período de transição entre o Império e a República, em virtude das novas orientações na pedagogia nacional, percebe o interesse da criança por leituras.

Os temas tratados por Alexina Pinto são impressionantemente brasileiros, em seus livros traz um rico inventário de valores brasileiros, bem como a comprovação da nossa deficiência em vários setores da educação escolar.

Os franceses mantinham no setor cultural brasileiro um grande prestígio. Tendo Alexina de Magalhães Pinto, como recomendação, a todos que se interessassem pela infância.

Em 1.907 já lamentava que nossos editores não davam as nossas crianças livros bastante ilustrados

Reforça sua importância no contexto histórico da literatura infantil brasileira ao lembrarmos que foi ela a primeira autora a indicar uma Biblioteca Para a Infância no Brasil, procurando proporcionar uma literatura adequada a idade. O seu projeto de uma biblioteca infantil considerava uma série de livros, por volta de 1.917, que vale a pena conhecer, não só pelo seu valor histórico.

Os “primeiros livros ilustrados para audição e análise de imagens”, como classificou Alexina de Magalhães Pinto, eram os seguintes: João Felpudo, O Menino Verde, Viagem numa Casquinha de Noz, Aves do Brasil, Mamíferos do Brasil, Aventuras de Hilário, Cristovão Colombo, Ride Comigo, O Anjo da Guarda, João Patusco, O que Vem Agora, Chapéu Preto, Para Todos e Eu Sei Ler, ambos de Lothar Megendorf, Os Irmão de Pedro Ouriçado, A Baratinha, Album de Gravuras, de Romão Puigari, Juca e Chico e Alfabeto Ilustrado. Êsses livros, cujos autores em sua maioria não pudemos identificar, constituíam o que Alexina de Magalhães Pinto considerava a Coleção Infantil. (…) No gênero poesia indicava mais os seguintes títulos: Poesias Infantis de Olavo Bilac; O Livro das Crianças, de Zalina Rolim, e Musa das Escolas de Pinheiro.

Teríamos ainda os Contos Infantis, de Julia Lopes de Almeida e Adelina Vieira; Teatro Infantil, de Olavo Bilac e Coelho Neto; A Queda de um Anjo, de Figueiredo Pimentel; As Férias, de Max Fleiuss; Histórias do Reino Encantado; Contos Para os Nossos Filhos, de M. Amália e G. Crêspo; Contos para Crianças, de M. Pinto Rodrigues; Contos para Crianças, de Guerra Junqueiro, Contos, de Ana de Castro Osório, e Amiguinho de Nhonhô, de Meneses Vieira.

Rodrigues de Oliveira, traz ainda em sua dissertação que Alexina:

“Para complementar o seu “esboço” de biblioteca infantil, Pinto (1917) indica livros de viagens, livros sobre história do Brasil e livros sobre história da civilização. Os livros de viagens por ela indicados são: Em Minas, de Carlos de Laet; e História do Brasil, de João Ribeiro. Além desses, recomenda outros dois livros, que apenas informa os nomes dos autores: Virgílio Mello Franco; e Joaquim Nogueira Paranaguá. Os livros sobre história do Brasil por ela indicados são: Compêndio de história antiga, de Moreira de Azevedo; e A retirada da Laguna, de Alfredo d’Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay. E os livros sobre história da civilização por ela indicados são: Cartas a Luisa, Mulheres e crianças e O reino da mulher, de Maria Amélia Vaz de Carvalho”.

7 – A PRIMEIRA FOLCLORISTA BRASILEIRA

Assim, analisando o material deixado por ela, rico em notas e observações podemos perceber de que forma Alexina envolve-se nessa tarefa de recuperar e preservar a cultura popular e dar a ela condições de integrar as tradições nacionais. Além da preocupação em garantir máxima fidelidade na certeza de estar atingindo os padrões científicos para uma área de estudo que pretendia firmar-se enquanto saber científico, dono de metodologia própria podemos perceber no discurso da folclorista de que forma ela apropria-se da cultura popular e com quais objetivos. Fazia parte dessa apropriação a elaboração de uma literatura didática voltada ao uso das crianças nas escolas e também o uso pelas crianças em casa sob a supervisão e participação ativa dos pais (especialmente as mães).

Alexina se dedicou, sobretudo, à coleta do folclore, em especial o ligado ao universo infantil, seus contos, cantos e brincadeiras o que tornava o discurso dos folcloristas, aparentemente incoerente com relação aos registros efetivados pela folclorista mineira, por exemplo, quanto à cultura popular mediado pelo discurso educacional, pois Alexina enquanto fazia um registro singular. Em suas obras, Alexina pretendia na recolha dos materiais orais, musicais e folclóricos organizá-los, segundo Carnevall não fugiu às preocupações eruditas, mas fez uma junção entre a norma erudita da língua portuguesa erudita e da norma popular.            (p399). Havia muito mais do que uma preocupação em trazer com esse material condições para que, posteriormente, se pudessem propor estratégias de transposição ou junção entre uma norma e outra.

 Com isso estabeleciam-se possibilidades de se ampliar o domínio da norma culta, como Alexina sempre tecia comentário, além de respeitar o universo e o espaço local de onde fora feita a pesquisa. Além do mais é visível sua preocupação com a ludicidade e o desenvolvimento das crianças e a interação entre os pares através do incentivo de jogos e brincadeiras tão preconizados até os dias atuais.

Paralelo a esse trabalho havia o tão desejado plano de se constituir uma verdadeira unidade nacional e o quanto essas propostas são importantes para a construção e o desenvolvimento das crianças e sua formação enquanto cidadãos e naquele tempo, no sonho de tantos brasileiros em fazer “o Brasil dentro do Brasil”, conforme afirma Carnevall (2011):

(…) “Não há duvida que esse projeto, esse desejo, começou a ser construído por esses intelectuais em fins do século XIX e de que Alexina teve papel importante nesse processo. Ele será em parte retomado nos anos 30 tendo na linha de frente músicos, memorialistas e historiadores não acadêmicos que irão buscar no folclore e na música popular urbana elementos para a construção da identidade musical brasileira. Retomemos, por exemplo, o papel que Heitor Villa-Lobos assumirá nos anos 30 e seu projeto de implementação do Canto Orfeônico nas escolas através da criação do SEMA (Superintendência de Educação Musical e Artística) criado em 1931. A figura do músico naquele instante representava o papel do intelectual, do erudito, ao fazer a intermediação necessária para transformar a música popular folclórica em música nacional”.

Contraditoriamente, agora a cultura popular está presente nas grandes cidades, em livros didáticos, transformada por uma série de mediações.

Eles são mediadores que dão novo sentido à cultura popular evidenciando como esse conceito é historicamente construído e que ele pode mudar de significado dependendo do uso que se faz dele, assim como o próprio conceito de nação.

8 – Á GUISA DE CONCLUSÃO

Alexina acreditava no poder regenerador da educação, ou seja, era preciso regenerar a população brasileira, começando pelas crianças, entendidas como núcleo da nacionalidade, tornando-as saudáveis, disciplinadas e produtivas trabalho esse feito em parceria com a família e o Estado, intermediado por cantigas brincadeiras, escuta e leitura de bons livros. A tarefa na qual ela se debruça ultrapassa a simples coleta e preservação da cultura popular, serve, sobretudo à unidade pátria, já que ajuda a formar cidadãos física e psiquicamente sãos.

Ao analisar a maneira como a folclorista Alexina maneja a cultura popular, seja « corrigindo » a fala do povo, ou a métrica das canções, valorizando os aspectos morais dos provérbios, criando e recriando contos populares, enfim, fazendo uso desse material para educar física, moral e intelectualmente as crianças, percebemos como esses « usos » utilizados por ela por mais que fossem pioneiros devido a sua utilização como literatura didática e voltada ao público infantil, estavam em consonância com aquela missão civilizatória que a elite letrada atribuía para si. Dessa forma, Alexina não se coloca como elemento neutro e puramente coletor, como queria Silvio Romero ao sistematizar o trabalho do folclorista, ela é claramente uma interventora quando busca estabelecer novos paradigmas enquanto mulher, educadora e pessoa que mobilizava e eletrizava. Termino dizendo que possuo muito orgulho por conviver com ela e ouso falar baixinho: ainda deita ramas por meu coração!

9 – REFERÊNCIA

MONTEIRO GUIMARÃES, Maria Lucia, IHG-SJDR, 2017.

10 – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Serão postadas após publicação da Revista do IHG-SJDR vol. XIV

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2 Resultados

  1. Eneida Paes Lima disse:

    Querida Lucinha.
    Alexina de Magalhães Pinto também me encantou . Como professora de Danças Folclóricas e Pesquisadora da Cultura Popular Brasileira foi uma honra conhecê-la quando estive em 4 de Julho de 2019 em São João Del Rei. Alexina não pode ficar esquecida. Obrigada pelo apoio e atenção .

  2. Antônio Gaio Sobrinho disse:

    Atendendo hoje, 13 de janeiro de 2021, a uma professora de Montes Claros, Rita de Cássia, que está pesquisando sobre Alexina de M. Pinto, tive a honra de dar-lhe o seu telefone e recomendar essa sua defesa de patrona, que, agora reli e achei mais do que uma defesa de patrono, uma verdadeira defesa de tese. Parabéns, Maria Lúcia, minha amiga.

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